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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Além-mar

Fotografia de daqui

Morei longe, num local que conheço melhor do que a mim mesma, pois todos os seus tortuosos caminhos foram por mim percorridos vezes sem conta. Tendo sido a sufocante angústia de não me ter que fez com que me mantivesse lá, numa frustrante rotina, encontrando pequenos e amargos tesouros. E quase todos eram meus, se é que algo mais, para além de um enorme vazio me pertencia nesse momento.
Podia mentir, contudo na realidade sempre quis voltar, em momento algum me senti em casa, ali no meio do nada do mundo.
Olhava-me e via apenas mais um corpo, voltava a olhar e não via a alma que perdi antes de me perder.
Assim, foi nesta ilha seca e húmida, rodeada de um mar de decepções que cresci, onde mais ninguém se atrevera a entrar e ficar, pois na realidade nunca cá estiveram verdadeiramente.
No entanto, este lugar apesar de estar à parte é como o mundo, há-de ter o seu fim um dia e, para mim, já o teve.
Hoje digo que por fim que terminei a longa caminhada, desci as frágeis escadas e encontrei o barco que me transporta agora para perto.
As ondas espelham ainda as naufragantes etapas e as abundantes lágrimas que as compõem. Espero que a natureza as rebente com a sua maior força, mas que não as leve para o esquecimento, porque nelas não quero voltar a afogar-me.
E nesta viagem contemplo o já passado em que tristemente todos os objectivos foram cumpridos, melhor do que alguma vez imaginei.
Anseio agora que todo o oceano seja capaz de matar a sede de vencer que trago ao peito, que me sacie a vontade de viver e que me mostre que nunca é tarde para mudar.
Sei que vou conseguir, conto finalmente comigo e agora que me tenho nunca mais me vou destruir, porque sou aquilo que preciso e não vou mais desperdiçar este belo horizonte.
Sinto-me bem, estou além-mar, prestes a alcançar o céu.

terça-feira, 12 de julho de 2011

História de encantar

Fotografia de Kitty Gallannaugh


Um dos primeiros dias da semana, um inverno de verão, um local natural e uma brincadeira jovial.
Os verdes, os castanhos e os brancos esvoaçantes compõem a nossa atmosfera e criam laços instintivos. Assim, a teu lado, fragmentos de tempo são meros nacos de genuinidade.
Contudo a criação de uma das mais belas histórias de encantar não é um remate simples de tornar em golo, todavia fixo-me no teu olhar sereno e reluzente e remato que é numa que nos encontramos. Pois somos nós quem tem os momentos de outrora e os momentos prometidos, as juras e os sonhos a realizar, somos nós hoje, amanhã e sempre.
E é aqui neste conto de fascinar que nada mais importa senão o único sentimento capaz de transformar defeito em feitio, chuva em sol, lágrima em gargalhada, frio em calor e dor em felicidade.

domingo, 15 de maio de 2011

É só mais uma dança, vens?



O sucesso estava garantido, a plateia preenchida e o júri de bom humor.
Amélia estava pronta, acabara de vestir o seu vestido preto, o único que tinha.
O seu parceiro estava sorridente e transpirava confiança, porém o corpo de Amélia começara a atraiçoá-la, as suas mãos tremiam e a sua mente tentava impedi-la de avançar. Mas porque sabia que não podia desistir, seguiu em frente.
Subiu ao palco, colocou-se em posição e, após uma longa contagem decrescente, a música começou a soar. O seu coração batia tão depressa que o som das suas batidas se sobrepôs à música, criando uma agitada melodia que a embalou, levando-a a falhar e, por conseguinte, a desistir, saindo do palco a correr.
Contudo, o seu par, mesmo só e envergonhado, continuou a dançar.
Ao terminar dirigiu-se até ela e disse-lhe: - Não faças isto agora, já provaste a ti mesma que és capaz. É só mais uma dança, vens?
- Não!
- Se não fazes isto por ti, fá-lo ao menos por mim. Não me deixes só!
Amélia não ditou nem mais uma palavra, ele voltou para o palco e ela ficou sentada a um canto, arrependida por abandonar quem nunca a abandonou.
Uma hora depois, encontraram-se à saída e ele nem cruzou o olhar com o dela, partiu sem ela poder sequer despedir-se.
Amélia ficou ainda mais incapacitada que antes, estava possuída pela fúria, desejando nunca ter tido direito à vida. Sentia-se desiludida, pois não foi capaz de se libertar da sua mente e perdeu mais do que uma oportunidade de brilhar, perdeu a pouca cor que restava na sua vida.
Sentia que espiritualmente morreu em frente àquele palco que não conseguiu enfrentar, não por não querer, mas por simplesmente não conseguir. Porquê? A razão nem ela conhece, apenas sabe que há muito tempo que a sua mente guia a sua vida e há muito tempo, também, que perdera tudo.

sábado, 7 de maio de 2011

Amigos da sabedoria

Fotografia daqui

Abrira o jornal à procura de uma notícia reconfortante, mas saltou-lhe à vista uma informação dispensável. Não queria saber da existência deles, muito menos dos seus planos fúteis. O caminho que escolhera para si era exactamente o antagónico ao deles.
Fechou o jornal, apagou o cigarro e foi-se embora.
Sentia-se incontrolavelmente perturbado.
Vagueava pelo centro da cidade tentando esquecer a cada passo que dava uma frase daquela notícia. Foi então que tropeçou numa caixa desfeita e por mais estranho que parecesse aquela caixa assemelhava-se a uma que tivera, mas que acabara por deitar fora, deitando junto a ela o seu outro eu.
Pegou na caixa, retirou-lhe a tampa e o seu interior estava vazio. Todavia a mente dele estava agora sobrecarregada de memórias. Sentou-se um pouco e viajou no tempo por instantes. Viu-se rodeado de pessoas em imoderadas diversões. Naquelas visões ele era retratado tal e qual os outros. Pareciam-se com robots, desprovidos de livre arbítrio. De seguida, viu-se na actualidade, já não era igual aos outros, era singular, e nas mãos carregava um conjunto de livros empilhados.
Abriu os olhos e voltou a ver a calçada pela qual caminhava e seguiu para casa.
Ao chegar, pegou num papel e num lápis escreveu um pequeno texto e auto-retratou-se. Na ilustração estava com algumas feições bastante destacadas, como numa caricatura. Estava rodeado de livros, mas nada mais o circundava, estava solitário.
Por fim, como título da notícia escrevera apenas Amigos da Sabedoria. E após esta longa caminhada, encontrou a tão procurada notícia reconfortante – estava só, mas feliz por se ter tornado diferente.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Pétalas de mim


A mamã disse que ele tinha ido para um sítio melhor, onde está muito feliz, de certeza que é na nossa casinha da árvore e deve estar à minha espera – pensa Madalena.
Nisto começa a correr, dirigindo-se para o prado, esquecendo-se que era apenas uma menina de 8 anos e que o escuro da noite a assombrava.
Corre entusiasmada pelo prado fora, onde outrora correra sorridente e voara de braço dado com o seu pai.
- Papá? – chama Madalena, desejando apenas voltar ouvir a voz dele e poder abraçá-lo. Porém, ouve apenas os mochos que sempre a arrepiaram, mas que agora não mais a intimidam.
Pouco depois, avista ao longe a casa de madeira, no topo da árvore e corre ainda mais depressa. Sente-se ofegante, mas a sede de rever o seu progenitor é maior que qualquer cansaço, é simplesmente infinita.
Bate à porta, pedindo licença para entrar. Contudo, não ouve ninguém e pensa que talvez o papá esteja a dormir, pois já é tarde. Então, roda cuidadosamente a maçaneta, para não fazer barulho e com pezinhos de veludo entra, olhando em redor e encontra apenas a cruel realidade, a ausência do pai.
Grita em desespero, grita até a voz desaparecer.
Perde as suas pequenas forças e acaba por cair, completamente transtornada e alagada em lágrimas.
- Papá foste embora e não me levaste, mas eu também quero ir. Volta, eu espero aqui por ti – murmura Madalena. E de seguida, adormece enrolada numas velhas mantas que antes utilizara nos piqueniques dos Domingos, nos quais comia as deliciosas sandes que o pai fazia. Era o dia da semana em que era a princesa mais feliz do Universo, como ela própria dizia.
Na manhã seguinte, acordou assustada, pensava que tudo aquilo podia ter sido um sonho mau e que o papá iria estar ali para lhe dar um beijo e a acalmar, mas não.
Desembrulhou-se e ao largar as mantas reparou que delas caiu um pequeno ramo de flores silvestres, iguais às que o seu pai lhe oferecia quando a coroava como mais bela princesa do seu reino.
- O papá esteve aqui! O papá esteve aqui! Ele veio buscar-me! – diz eufórica.
Abre a porta, desce as escadas e começa a dançar e cantar pelo verdejante terreno. Depois ergue o ramo e uma rajada de vento solta as pétalas das flores e a menina solta junto delas doces palavras.
- Papá, estas pétalas são um bocadinho de mim e vão voar até ti, porque eu só sei ser feliz contigo.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Receita do Coração

Fotografia de Timothy Gerdes


Ema é uma jovem de 25 anos, tem olhos cor de mel e cabelos longos e ondulados cor de cacau. É uma rapariga discreta e sonhadora que sempre adorou fazer bolos, por vezes, fazia tantos que acabava por partilhá-los com os vizinhos.
Um dia, após o trabalho, Ema corre para a cozinha, sente-se cansada, mas lá no seu mundo, sente-se finalmente tranquila. As paredes estão pintadas de um terno rosa claro, as bancadas brancas estão impecavelmente limpas, sem dúvida ali a paz reina.
Entrançou o cabelo e pôs o avental que a sua mãe lhe dera à meses quando ela decidira viver sozinha. Depois, abriu uma das portinholas do armário, retirou açúcar, farinha, ovos e mais alguns ingredientes. E colocou-os espontaneamente numa tigela sem se preocupar com quantidades, seguindo somente a receita do coração. Por fim, misturou tudo, pôs numa forma e levou para o forno.
Enquanto esperava pôs uma toalha rendilhada sobre a mesa e preparou-se para se deliciar.
Ouviu o forno desligar, retirou o bolo e desenformou-o. Chegara a hora da fantasia. Ema foi até ao seu pequeno jardim imaginário e colheu diversas flores, todas elas de doces aromas. Depois foi só soprar as nuvens que pairavam sobre o seu jardim e logo depois as bonitas flores poisaram sobre elas. Finalmente, o bolo estava pronto.
Sentou-se à mesa, serviu-se e começou a saborear, porém os lugares em seu redor permaneciam desocupados. Foi então que soou a campainha. Ema esboçou um pequeno sorriso e ao abrir a porta ficou maravilhada ao ver um enorme ramo de flores pousado cuidadosamente à porta. Pegou-lhe e leu o cartão que nelas se encontrava, que tinha apenas inscrito: A realidade pode ser tão doce quanto a fantasia.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Não te escondas!


Não te escondas!
Por favor, não deixes que entrem em ti, que comandem a tua vida e que a levem, como se de nada se tratasse. Esquece as cruéis palavras e afasta-te desses seres a quem chamam pessoas.
Sei que sentes fortemente esta dor que te rodeia sempre que estás só.
Sei que não conheces o mundo e muito menos as pessoas, sendo essa ingenuidade que te fragiliza.
Olho para ti, continuas cabisbaixo a jogar, mais um daqueles passatempos que te faz esquecer a realidade. Isso faz-me pensar em como uma simples brincadeira de criança começa assim a deixar as primeiras cicatrizes, a vincar o teu perfil e a apagar a tua luz.
Sinto-me inútil, sinto que as palavras são em vão, que os meus braços já não te protegem e que os meus beijos não saram feridas.
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