Gosto de fechar os olhos e voltar
atrás, regressar àqueles dias chuvosos e frios de fim-de-semana passados em
casa da avó. Relembro o lume acesso que me aquecia as mãos geladas e as tardes
passadas a ouvi-la tocar piano. O seu talento fascinava-me, pois até os pingos da chuva transformava em melodia.
A mãe costuma contar que em
criança me sentava ao seu colo e que ela sobrepunha a mão à minha, ainda frágil,
e juntas formávamos uma perfeita harmonia. E a verdade é que naquele pequeno banco do
piano a nossa cumplicidade engrandecia a um ritmo acelerado.
O som da sua voz e o som do nosso piano continua gravado em mim e é
com certeza a mais quente memória da minha infância. E, hoje, os
meus dias preferidos continuam a ser os invernosos na sua companhia.
Fui visitá-la e notei que
todos estes invernos lhe foram roubando forças, contudo continua igualmente
calorosa.
Dirigiamo-nos até ao piano enquanto vislumbrava tempos em que demos passos semelhantes.
Sentadas no banco peguei na mão dela,
colocando a minha por cima e agora, anos depois, voltamos a completar-nos. E, no
fim, ao olhá-la senti que não há melodia mais imortal do que o amor e que este
sempre tornará almas vazias em corações cheios.